Direito e Justiça

Debatedores:Constituição não garante equilíbrio de poderes

10/06/2008 - 18:34  

A Constituição de 1988 promoveu a transição da ditadura militar para um regime democrático estável, mas não concretizou um dos principais ideais da Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988): instaurar o equilíbrio de forças entre os poderes Executivo e Legislativo. Essa foi a opinião preponderante na manhã do primeiro dia do Seminário 20 anos da Constituição Cidadã, promovido pela Câmara e pelo Senado, que prossegue nesta quarta-feira (11). "A nova Constituição não foi fundo na reestruturação dos Poderes. A hegemonia do Executivo é notória", lamentou o professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) José Afonso da Silva, um dos principais assessores jurídicos da Constituinte.

Ele afirmou que a Constituição, apesar dos avanços, manteve a estrutura de poder arcaica do País, baseada na primazia do Poder Executivo, e a tradicional desconfiança da população em relação ao Legislativo, dominado por oligarquias regionais. "Uma larga camada do povo mais carente acalenta a cultura paternalista, que vem do coronelismo, e espera do chefe do Executivo, em todos os níveis de governo, a solução dos seus problemas e dificuldades pessoais", opinou.

Falta de representatividade
Para o professor aposentado da USP Fábio Konder Comparato, a desconfiança da sociedade no Congresso tem razão de ser. "Este Parlamento não representa a sociedade brasileira", afirmou, argumentando que o sistema eleitoral faz com que as oligarquias sejam mais representadas.

Na visão de José Afonso da Silva, o Parlamento não superou o problema da falta de representatividade porque a Constituição não conseguiu romper a cultura política de representação regionalizada, oriunda do regime militar e mesmo de épocas anteriores. "O importante [antes da Constituição] era conseguir dinheiro para a construção de pontes, de estádios de futebol, para o asfaltamento de estradas; e não a formulação de uma política nacional de interesse geral", afirmou. Essa realidade, na avaliação do constitucionalista, persiste em parte.

Medidas provisórias
A deficiência do Parlamento é revelada e ao mesmo tempo reforçada pelo uso abusivo das medidas provisórias, na visão do presidente do Congresso, senador Garibaldi Alves Filho. "Graças a Deus o presidente Lula está aqui representado pelo vice-presidente José Alencar, senão eu iria cometer um ato de descortesia com ele", disse Garibaldi, ao reclamar da edição excessiva de MPs pelo presidente da República.

O senador afirmou que a Constituinte substituiu os antigos decretos-lei - utilizados pelos presidentes do período da ditadura militar (1964-1985) - pelas MPs como mecanismo para restringir o poder do Executivo, mas produziu o efeito contrário. "A emenda saiu pior que o soneto", disse.

Na avaliação do vice-presidente da República, a medida provisória ocupa posição intermédia entre o decreto-lei e o projeto de lei. "Ela é quase um decreto-lei mas não é; e ultrapassou em muito o projeto de lei", afirmou. José Alencar, no entanto, argumentou que "as mudanças trazidas pela Constituição contribuíram para restabelecer o equilíbrio entre os Três Poderes".

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, sustentou que o modelo criado pela Emenda Constitucional 32, com previsão de trancamento de pauta pelas MPs, combinado com o uso excessivo de medidas provisórias, provocou uma "inércia compulsória" do processo deliberativo no Parlamento.

Papel do Parlamento
O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, ressaltou a importância da afirmação institucional do Parlamento, que, para ele, não deve ceder a pressões no desempenho de suas atividades constitucionais. "Nós não podemos imaginar sequer um Parlamento acuado, ou medroso, ou que se sinta compelido por quem quer que seja. Nós temos o dever de sermos compelidos apenas por aqueles que nos elegeram, que formam o povo brasileiro."

Na avaliação do deputado Mauro Benevides (PMDB-CE), que foi vice-presidente da Assembléia Nacional Constituinte, o desequilíbrio entre os poderes decorre do fato de que o texto constitucional foi elaborado com vistas a um sistema parlamentarista. Ele afirmou que, graças à articulação do então senador Humberto Lucena, a Constituição tornou-se presidencialista, mas sem as devidas mudanças para adaptar os poderes a essa configuração.

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Reportagem - Edvaldo Fernandes
Edição - João Pitella Junior

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