Legislação Informatizada - RESOLUÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 65, DE 1968 - Publicação Original

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RESOLUÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 65, DE 1968

Cria Comissão Parlamentar de Inquérito para estudar a legislação do indígena, investigar a situação em que se encontram as remanescentes tribos de índios no Brasil, e propor diretrizes para a política indigenista do Brasil.

Sr. Presidente:

Requeremos, nos têrmos regimentais, seja constituída Comissão Parlamentar de Inquérito para estudar a existente legislação protetora dos indígenas, investigar a situação em que se encontram as remanescentes tribos de índios do Brasil e propor diretrizes para a política indigenista do Brasil. A Comissão terá o prazo de 180 dias para o seu funcionamento, integrada por 11 membros podendo dispor da verba de 30 mil cruzeiros novos.

Justificativa

A história da dominação do conquistador branco no Brasil - como de resto ocorreu em tôdas as terras em início de desbravação a partir do período das Grandes Descobertas, na Ásia, África e América - é também, ao lado da implantação da cultura ocidental, a história da destruição de culturas locais seculares e a desintegração de povos inteiros. O esmagamento das resistências encontradas pelos conquistadores, em certo passo, constituiu, certamente, um "processo histórico social normal", muito embora, etnològicamente, seja impossível falar-se em culturas superiores e culturas inferiores. Êsse processo de desmantelamento das culturas primitivas, gerando a desorganização familial, a desarticulação dos liames sociais, a quebra irreparável dos padrões religiosos, foi ao nosso lado, em tôda parte, de pela eliminação física de milhões de indígenas, aos quais não foi dada a possibilidade de uma integração na cultura dominante.
O problema da integração do índio na sociedade de massas, constitui, aliás, o tema central e a preocupação fundamental de todos quantos, humanistas, antropólogos, sociólogos e etnólogos, estudam a questão das "minorias étnicas" em todo o mundo e seu direito a uma oportunidade de assimilação pacífica no universo dos grupos majoritários da sociedade.
Andam longe os tempos em que Cândido Mariano Rondon, animado pelas suas crenças positivistas, mas antes de tudo humanistas, embrenhou-se nos sertões do oeste e do noroeste, desenvolvendo uma missão salvadora das culturas indígenas sobrepujadas pela superioridade técnica do homem branco. Pouca gente conhece a epopéia em que se constitui o devotamento à causa indígena dos irmãos Villas-Boas. O estudo dos problemas indígenas parece, para a maioria da sociedade, ter ficado na leitura das "Aventuras de Hans Staden" ou na memória, durante as aulas de História no curso primário, das artimanhas de Caramuru ou ainda apenas nas delícias inesquecíveis das obras indianistas do século passado, do "Y-JUCA-PIRA-IA" ao "O Guarani". De qualquer forma, criou-se o estereótipo da inferioridade racial dos povos do Nôvo Mundo, e a imagem que hoje fazemos do nosso índio - quando a barreira da total indiferença é quebrada - é a de um sêr incapaz, indolente, preguiçoso e irrecuperável.
No Brasil não existem hoje, talvez, mais do que 50 pessoas dedicadas ao estudo dos novos primitivos que viveram ou vivem em nosso território. Dêsse total, a quase maioria está nas Universidades, e nenhuma, provàvelmente, presta sua colaboração ao Serviço de Proteção aos Índios. Ao que consta, o govêrno não se lembrou de solicitar a cooperação por exemplo do Prof. Egon Schaden, com vários trabalhos publicados aqui e no exterior; do Prof. João Batista Borges Pereira; do Prof. Max Henry Boundin, autor do primeiro dicionário de Tupi-Guarani, e hoje ministrando aulas na Faculdade de Presidente Prudente - SP; todos eles integrantes da Universidade de São Paulo; sem mencionar Darci Ribeiro e Noel Nutels, êste Diretor do SPI em 1963-1964, todos êles continuadores, em linha direta, da obra de Lévis-Strauss, de Roger Bastide, de Herbert Baldus, de Uévi-Bruhl. Jamais, talvez, os militares que dirigiram o SPI, em especial o Major Luís Vinhais, sequer leram qualquer obra de Antropologia ou Etnologia, estudo aliás, desnecessário para quem, como esse major, se entregou à tarefa de exterminar, pela inoculação deliberada de varíola, duas tribos Pataxó, e de desviar um bilhão de cruzeiros daquele Serviço. A entrega do SPI a militares só teve o condão de desprestigiar nossas Forças Armadas e de agravar o estudo em que se encontram os indígenas.
Todos êsses antropólogos, etnólogos conhecem profundamente a matéria a que dedicam sua energia e seu tempo. Confiamos, em Universidades de bom grado emprestariam sua valiosa e imprescindível colaboração à fixação de uma política indigenista que não só preservasse a cultura dos Gê, dos Urubu, dos Pataxó disseminados desde o Maranhão até o Paraná, mas facilitasse sua integração na sociedade dominante.
O qualificativo de genocídio para o extermínio dos índios brasileiros é bem cabível e justificável. Esta civilização que faz passeatas em favor dos povos do Vietnã, que apóia os eslovacos em sua exigência de maiores direitos, que reverencia a minoria armênia, que protesta contra Ian Smith, que se solidariza com o "Black Power", que abomina o genocídio dos judeus na Segunda Guerra, esta civilização tem algo a ver também com a eliminação crua e implacável dos nossos índios. Êste govêrno, que o promete ocupar a Amazônia, tem algo a ver com os descendentes daqueles índios que, ao lado de Plácido de Castro, preservaram o Acre para o Brasil. Este país deve alguma coisa aos povos que ajudaram a expulsar os franceses e holandeses nos albores de nossa existência, no Rio de Janeiro como em Pernambuco.
A responsabilidade da Câmara dos Deputados é, portanto, bem definida. Assim como ela tem sido eco de tôdas as manifestações em favor das minorias de todo o mundo, tem o dever irrecusável de movimentar-se agora em defesa das minorias brasilíndias que estão sucumbindo, como cordeiros indefesos, à sanha imoral de homens sem escrúpulos.

Sala das Sessões, março de 1968.

Fernando Gama - Marcos Kertzmann - Aloysio Nonô - Levy Tavares - Justino Pereira - Haroldo Veloso - Israel Novaes - Nazir Miguel - Fausto Gayoso - José Carlos Leprevost - Henio Romagnolli - Atlas Cantanhede - Celestino Filho - Wanderley Dantas -Vasco Filho - Dayl Almeida - Feu Rosa - Raimundo Bogea - José Burnett - Bezerra de Mello - José Maria Magalhães - José Meira - Arruda Câmara - Cardoso de Almeida - Murilo Badaró - Rezende de Souza - Benedito Ferreira - Temístocles Teixeira - Cunha Bueno - Aniz Badra - Arnaldo Nogueira - Ruy de Almeida Barbosa - Cardoso Alves - Nicolau Tuma - Aécio Cunha - Walter Passos - Dnar Mendes - Baldeci Filho - Nadyr Rosseti - Sousa Santos - Dias Menezes - Ítalo Fitipaldi - Paulo Biar - Chaves Amarante - Pedro Marão - Anacleto Campanela - Emericia de Barros - Gastone Righi - Cantídio Sampaio - Lacôrte Vitale - Hamilton Prado - Arnaldo Cerdeira - Lauro Cruz - Yukishique Tamura - Hary Normaton - Ney Ferreira - Feliciano Figueiredo - Marcílio Lima - Rezende Monteiro - Ari Valadão - Amaral Peixoto - Breno Silveira - Montenegro Duarte - Wilmar Guimarães - Milton Brandão - Alípio Carvalho - Henrique Henkin - Aldo Fagundes - Paulo Freire - Jorge Cury -Antonio Magalhães - Humberto Lucena - Mário Piva - Carvalho Leal - Luís Braga - Floriano Rubin - Hermano Alves - Monsenhor Vieira - Adhemar de Barros Filho - Ario Theodoro - Souto Maior - Romano Massignan - Davld Lerer - Getúlio Moura - Hélio Gueiros - Renato Celidônio - Zaire Nunes - José Carlos Guerra - Segismundo Andrade - Tales Ramalho - Erasmo Martins Pedro - Daso Coimbra - Regis Pacheco - Plinio Lemos - Nunes Freire - Raymundo Brito - Antônio Bresolin - José Richa - Rubem Medina - Amaral de Souza - Theodorico Bezerra - Celso Passos - Otávio Caruso da Rocha - Hanequim Dantas - Djalma Falcão - Antônio Neves - Aderbal Jurema - Fernando Magalhães - Carlos Alberto - Heraclio Rego - Saldanha Derzi - Genésio Lins - Emílio Gomes - Antônio Ueno - Moacyr Silvestre - Pedro Faria - Mário Covas - Francisco Amaral - Glênio Martins - Floriceno Paixão - Joaquim Cordeiro - Juvêncio Dias - Raimundo Parente - Paulo Maciel - Bias Fortes - Hugo Aguiar - Antônio Anibelli, Tourinho Dantas - José Penedo - Lisboa Machado - ArnaldoCerdeira - Alves Macedo - Wilson Martins - Dirceu Cardoso - Luna Freire - Pereira Lopes.


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - Suplemento de 27/03/1968