21/06/2018 16:48 - Saúde
Radioagência
Câmara aprova proposta que obriga acompanhamento psicológico de grávidas e mães de recém-nascidos
A canção Nove Meses, de Bárbara Dias, tem embalado a gravidez de muitas mulheres. Visualizada por 33 milhões de pessoas no YouTube, não são poucos os comentários de mães que se emocionam com a narrativa poética da espera pelo bebê.
Mas nem todo mundo se identifica com a letra. É o caso, por exemplo, da fotógrafa Caroline Ansak, que publicou uma paródia da letra no YouTube no ano passado, em que propunha uma visão mais objetiva da gravidez:
A paródia de Caroline foi visualizada por 446 mil pessoas.
A diferença entre a expectativa e a realidade tanto da gravidez quanto da própria maternidade é justamente uma das causas da depressão pós-parto.
A doença, segundo pesquisa da Fiocruz, acomete uma em cada quatro mães no Brasil. O índice é maior do que a média nos países de baixa renda, estimada pela Organização Mundial da Saúde em 20 por cento, ou uma a cada cinco mulheres.
E o estigma sobre doenças psiquiátricas pode fazer com que esse número seja ainda mais alto, já que muitas mães acabam não tratando a depressão.
É o caso de uma empresária que conversou com a nossa produção e pediu para não ser identificada. Já no fim da gravidez ela começou a perceber os sintomas.
"No finalzinho da gravidez, eu já estava me sentindo muito triste, muito nostálgica, as pessoas iam me cumprimentar, falar um bom parto, uma boa hora, e eu naquela tristeza sem fim quando, na verdade, eu deveria ter uma ansiedade porque daqui a pouco o meu bebê ia nascer. Com o nascimento do meu filho, aquilo que eu sempre escutei da maternidade falando assim 'ah, é a coisa mais linda do mundo, e tal, é um amor à primeira vista' comigo não aconteceu."
A empresária, que teve a voz alterada para evitar reconhecimento, contou com apoio de sua ginecologista para vencer a depressão.
Em seus estudos de doutorado e pós-doutorado, a psicóloga Alessandra Arrais se debruçou sobre os fatores de risco e as maneiras de prevenir a depressão pós-parto, que pode se iniciar ainda no fim da gravidez e não deve ser confundida nem com os chamados baby blues, mais comuns, porém menos intensos, nem com a psicose puerperal, que é bem mais rara e envolve episódios de alucinações e delírios.
Se não tratada, a depressão pós-parto pode levar a mãe ao suicídio. De acordo com Alessandra Arrais, entre os principais fatores de risco, estão a falta de apoio conjugal e familiar, histórico de doença psiquiátrica, eventos adversos inesperados, problemas na gestação, violência obstétrica durante o parto, dificuldades de adaptação depois do parto, como problemas na amamentação.
Segundo a psicóloga, a frustração é o principal componente.
"O que eu encontrei na minha tese do doutorado, que eu defendo, é a idealização da maternidade. Então quando eu encontro uma gestante que idealiza demais a maternidade, que coloca muito peso sobre esse filho, esse filho vai resolver a vida dela, isso já me acende todos os alertas, porque a maternidade idealizada é diferente da real. E nos meus estudos eu fui encontrando que a depressão pós-parto, na verdade, é uma grande decepção com a maternidade."
Durante o pós-doutorado, Alessandra Arrais chegou à conclusão de que o acompanhamento psicológico da gestante, o que ela chama de pré-natal psicológico, é essencial para o diagnóstico, a prevenção e o tratamento da doença.
E é justamente isso o que busca fazer proposta aprovada pela Câmara. O projeto (PL 702/15) determina que gestantes e mães de recém-nascidos devam passar por avaliação psicológica para detectar propensão ao desenvolvimento da depressão pós-parto. O texto estabelece que as mulheres que apresentarem indícios da doença sejam encaminhadas para acompanhamento psicológico.
Relator na Comissão de Constituição e Justiça, o deputado Lincoln Portela, do PR de Minas Gerais, ressaltou que o objetivo é contribuir para a saúde das mães e dos bebês.
"Com isso nós fazemos também uma prevenção para o cuidado do bebê, porque a mãe estando bem, essa criança crescerá forte e saudável. As crianças ficariam protegidas, crescendo com mais saúde, o que seria muito bom para população brasileira termos crianças e mães saudáveis."
O projeto aprovado, no entanto, não estipula medidas para fiscalizar e punir instituições de saúde que não garantam o acompanhamento psicológico às grávidas e mães de recém-nascidos. A proposta foi aprovada em caráter conclusivo, o que significa que ela já segue para o Senado.