Política e Administração Pública

Chico Alencar quer Câmara aberta às demandas da população

Candidato do Psol à Presidência da Casa, deputado defende uma reforma política de iniciativa popular e critica a força do poder econômico no Legislativo e no Executivo. Para ele, a Câmara tem que representar de forma mais adequada os anseios e a diversidade dos brasileiros.

28/01/2015 - 18:46  

Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Candidato a presidência da Câmara, dep. Chico Alencar (PSOL-RJ) concede entrevista
Chico Alencar pretende evitar a precarização de direitos dos trabalhadores.

Lançado candidato pelo Psol à Presidência da Câmara no último dia 23, o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) defende um Parlamento que efetivamente dialogue com as demandas populares. Para ele, essa é uma das formas de resgatar a imagem do Congresso Nacional perante os brasileiros. Na visão dele, também é primordial a recuperação dos partidos, por meio de uma reforma política de iniciativa popular, cujo foco principal seja o fim do financiamento de empresas às campanhas.

As prioridades do candidato incluem ainda uma reforma tributária que comece pela taxação das grandes fortunas. A “independência das forças econômicas hegemônicas” – que, na visão do deputado, dominam inclusive o Poder Executivo – permeia o discurso do deputado. Por isso, ele considera a autonomia em relação ao Palácio do Planalto como caminho natural.

Professor e escritor, Alencar tomará posse neste domingo (1º) para seu quarto mandato na Câmara dos Deputados, com trajetória centrada na defesa da ética na política e dos direitos humanos.

Confira abaixo a transcrição da entrevista de Chico Alencar à TV Câmara.

Deputado, se o senhor for eleito para a Presidência da Câmara, qual será a sua prioridade?
A primeiríssima é colocar a Câmara aberta às demandas da população. Muito mais do que um anexo novo para os deputados, precisamos criar pontes com a sociedade, que nos olha meio de banda, que vê na política institucional, nos acertos partidários, algo que não lhe diz respeito. É interessante ver que 53 milhões de brasileiros, entre os 142 milhões que compõem o eleitorado brasileiro, não votaram em nenhum de nós, não votaram em ninguém. O Brasil tem uma maioria de mulheres, mas só 10% das deputadas são mulheres. O Brasil tem uma maioria de jovens, mas só há 27 deputados com menos de 30 anos de idade. O Brasil tem 80% de não brancos, mas apenas 22 deputados da nova legislatura são negros. Tem mais empresários do que trabalhadores. Então, a gente não esgota a representação da sociedade. A nossa tarefa é abrir a Câmara para as demandas da população. Isso significa a votação de direitos dos trabalhadores, dos aposentados, da jornada de trabalho, enfrentar todas essas questões de precarização de direitos, que a gente não tem conseguido enfrentar aqui. E também, obviamente, uma mudança no sistema político-eleitoral, que hoje claramente está dominado pelas grandes corporações econômicas, que financiam as candidaturas vitoriosas, com poucas exceções.

Dentro dessas mudanças, que reformas o senhor elencaria não só como importantes, mas como factíveis, para um possível mandato como presidente da Câmara nos próximos dois anos?
Vamos discutir, por exemplo, a iniciativa popular de lei de reforma política, conhecida como Eleições Limpas (Projeto de Lei 6316/13), liderada pela OAB e pela CNBB. Vamos ouvir a plataforma dos movimentos sociais pela reforma política, trabalhar aqui os projetos que já surgiram, centralmente aqueles que acabam com o financiamento empresarial de campanhas, que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal. O STF só não decidiu pela inconstitucionalidade desse tipo de “dinheirão” nas eleições – que gera, aliás, corrupções, “mensalões” e “petrolões” – porque o ministro Gilmar Mendes pediu vistas. Mas seis ministros do Supremo já se manifestaram contra esse financiamento empresarial, que desequilibra a igualdade de condições na disputa. A Câmara tem que enfrentar essa questão e a questão tributária também. A gente precisa fazer justiça tributária no País, taxar não os ganhos do trabalho, os rendimentos dos assalariados, cortar direitos de aposentados e pensionistas, exigir contribuição previdenciária deles, como a lei hoje determina e já há projeto para revogar isso, mas as grandes fortunas, que não são taxadas no País. Enfim, reforma política, reforma tributária e um conjunto de projetos dos deputados que ampliam direitos, que reconhecem a diversidade da sociedade brasileira. Nós precisamos ser uma central de produção de políticas públicas e de seu arcabouço legal. E não ter medo de fiscalizar o Executivo, exercer rigorosamente essa função. E não nos autoprotegermos. Eu considero que parlamentar investigado e indiciado na Operação Lava Jato, mesmo com sua prerrogativa de foro no Supremo, não pode exercer função de mando, de direção, ainda que o processo dele no Conselho de Ética não tenha se concluído.

Em uma democracia presidencialista, naturalmente existem freios e contrapesos entre os três poderes. Como o senhor vê o relacionamento do Congresso com o Palácio do Planalto?
Como um relacionamento de diálogo republicano, altivo, entre poderes distintos. Hoje ambos os poderes acabam seguindo a lógica de quem os garante lá. De novo, a questão do financiamento da nossa democracia. Assim como na Câmara há a bancada do agronegócio, das empreiteiras, dos frigoríficos, das mineradoras, da bola, da bala, da cerveja, esses mesmos grandes interesses econômicos vertebram as linhas políticas dos governos, que acabam sendo todas iguais. A presidente Dilma se elege com um discurso e, na prática, nesse início de governo, faz aquilo que acusava que Aécio [Neves, candidato à Presidência pelo PSDB] faria, precarizando direitos, fazendo um ajuste fiscal duro, que incide, por enquanto, só sobre os de baixo, os mais fracos. Na verdade, há uma grande força econômica dominante na política brasileira. E a gente tem que ser independente dessas forças, não pode haver a hegemonia de determinadas forças econômicas. Para isso, a gente tem que buscar autonomia e a relação altiva. Não vai ser o Executivo que vai pautar a Câmara, e o nosso papel não é governar. Deputado não faz obra nenhuma, embora muitos vendam isso na campanha. O nosso papel principal é fiscalizar, mesmo sendo o nosso próprio governo.

Em todas as democracias, os Congressos são mal avaliados. Como resgatar a imagem do Congresso brasileiro perante a opinião pública?
É preciso “ressignificar” os partidos. A maioria deles são partidos de mero acerto negocial, são quase empresas para benefício dos seus donos, em um esquema cartorial. Acertam tempo de televisão, coligações em eleições com base no toma-lá-dá-cá; os mandatos têm valores monetários, quando você pula de um partido para o outro, você carrega parte do fundo partidário; tudo isso é a decomposição do nosso sistema. A estrutura partidária brasileira está muito apodrecida, apequenada, tem até partido grande que sofre de nanismo moral, como a Lava Jato vai mostrar. Tem que haver um resgate do sentido doutrinário, ideológico, de partido. E recuperar a credibilidade do Parlamento também é colocá-lo aberto à demanda popular. Por isso, estou pedindo que todo mundo telefone para o telefone 0800619619, que é o “Fale com o Deputado”, e diga sua opinião sobre o papel da Câmara, sobre a Presidência, critique os candidatos, se envolva, porque isso diz respeito à sua vida. A decisão também tem que ser da população.

Por que o senhor entende que deve ser o próximo presidente da Câmara?
Porque eu entendo que essa concepção – que não é minha exclusiva, é de amplos setores da sociedade brasileira – de democracia representativa, mas também participativa, direta, de acolhida de segmentos “invisibilizados” do mundo político brasileiro, tem que ser a função precípua do Parlamento. Eu creio que eu tenha condições de expressar esse resgate da credibilidade do Parlamento, como um servidor público com plenas condições para exercer o mandato. Não precisamos criar mais nada para os deputados, precisamos valorizar os servidores públicos da Casa, que são excelentes. Em comunhão com as lideranças partidárias, quero colocar de novo a política no dia a dia da população, e não a politicagem. Fazer aquilo que Joaquim Nabuco, senador do Império, dizia: “Só me interessa a Política com P maiúsculo, a Política que é história”. Quem sabe, com a sua participação, a gente consiga fazer isso.

Reportagem – Lara Haje
Edição – Marcos Rossi

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