Direitos Humanos

Representantes de quilombos e do MP denunciam violação de direitos com possível ampliação da base militar de Alcântara

Segundo líder de quilombo, a atual base militar funciona sem licenciamento ambiental adequado. Ainda segundo ela, existe acordo assinado entre as comunidades e o governo federal para que base não invada terras de moradores do entorno

21/09/2017 - 15:14  

Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Audiência pública sobre a situação das comunidades quilombolas no país, especialmente episódios de violência e a possível remoção de moradores da região vizinha à base espacial de Alcântara (MA)
Comissão deve convocar representantes do governo para debater a situação da base de Alcântara e do seu entorno

Quilombolas, Ministério Público e Defensoria Pública denunciam riscos aos direitos humanos e à soberania nacional com possível ampliação da base militar de Alcântara, no Maranhão. Deputados querem convocar representantes do governo que foram convidados, mas não compareceram à audiência pública sobre o tema, realizada nesta quinta-feira (20) pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

Integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Paulo Maldos afirmou que, apesar da falta de informações oficiais, as ameaças às comunidades quilombolas que vivem no entorno da base são concretas. “Após uma visita à base espacial, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, teria dado declarações à imprensa do Maranhão dizendo que precisa de mais 12 mil hectares para a ampliação da base. Vazaram também informações sobre reuniões ocorridas no Palácio do Planalto, onde falaram em 120 dias para que as comunidades fossem deslocadas”, afirmou Maldos.

O representante do CNDH lembrou ainda que o ministro Raul Jungmann declarou na Câmara, em audiência pública, que o governo brasileiro havia retomado as discussões internas a respeito de acordos da Base Alcântara e que já estava com diálogo aberto com os Estados Unidos.

Remoção forçada
Moradora da região, a quilombola Luzia Diniz disse que a comunidade não admite a repetição de erros do passado, como o que levou à remoção forçada dos quilombolas para agrovilas a fim de permitir a construção da base, 30 anos atrás.

“É muito triste a situação porque essas pessoas passaram a ser chamadas como 'os miseráveis das agrovilas'. É muito triste a gente ver os filhos da gente sofrendo sem a gente poder fazer nada. E ver eles (da base) passando por cima, de avião, e dizendo na imprensa que nós estamos bem nas agrovilas. Quando a Aeronáutica implantou o projeto deles lá, eles pensaram até em maternidade para porco, mas não pensaram em um hospital ou uma maternidade para as nossas mulheres ganharem seus bebês”, afirmou Luzia Diniz.

Os quilombolas denunciam ainda que a atual base militar funciona sem licenciamento ambiental adequado e que existe acordo assinado entre as comunidades e o governo federal para que a área não seja ampliada.

Convenção da OIT
Para a procuradora regional da República Eliana Torelly, o governo também estaria violando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que exige consulta prévia às comunidades tradicionais em caso de possível deslocamento territorial. Torelly visitou Alcântara e disse que a falta de informações tem efeito "perverso" e cria "pânico" entre os quilombolas.

"A falta de transparência é tão completa que passamos lá, algum tempo, discutindo possíveis cenários. E essa situação tem causado um temor enorme nessa comunidade. Essas pessoas já passaram por situações extremamente traumáticas", disse a procuradora.

O Ministério Público e a Defensoria Pública já pediram informações precisas ao governo e não obtiveram sucesso. Em acordo com outros parlamentares da Comissão de Direitos Humanos, o deputado Zé Carlos (PT-MA) anunciou uma futura visita de parlamentares à região, além de um conjunto de ações, algumas ainda dependentes de aprovação do colegiado.

“Que a comissão cobre do Ministério da Defesa transparência sobre o Centro de Lançamento de Alcântara, especialmente quanto à situação das comunidades quilombolas que vierem a ser atingidas, à possível violação dos acordos firmados entre o Estado brasileiro e as comunidades quilombolas em 1983 e a eventuais negociações entre Brasil e outros países interessados no centro de lançamento. E que a comissão, por fim, convoque o ministro da Defesa para que ele preste explicações acerca do centro”, disse o parlamentar.

Titulação das terras
Deputados e os demais participantes da audiência pública também concordaram com a titulação das 5 mil comunidades quilombolas e o fortalecimento dos órgãos públicos de diálogo com as comunidades tradicionais, como o Incra e a Fundação Palmares, por exemplo. Outro ponto de consenso é a busca de reuniões com ministros do Supremo Tribunal Federal a fim de oferecer argumentos favoráveis ao Decreto 4.887/03, editado no governo Lula para regulamentar o direito constitucional dos quilombolas à terra. Esse decreto teve a constitucionalidade (ADI 3239) questionada pelo PFL (atual Democratas).

O julgamento no STF começou em 2012 e ainda não foi concluído. A Defensoria Pública Federal já elaborou subsídios em prol da constitucionalidade do decreto e também tem realizado trabalho de capacitação das lideranças quilombolas na luta pelos direitos das comunidades.

Racismo institucional
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas também participou da audiência e denunciou a existência de “racismo institucional” no Estado brasileiro, marcado pela demora na demarcação de terras quilombolas e redução no orçamento das políticas públicas voltadas para as comunidades.

A Conaq também cobrou a elucidação dos assassinatos de lideranças quilombolas. Já são 14 em todo o Brasil, desde o início do ano: a mais recente ocorreu na terça-feira, dia 19, quando o líder do Terreiro Quilombola de Pitanga dos Palmares, na Bahia, foi morto a tiros na zona rural do município de Simões Filho.

Reportagem - José Carlos Oliveira
Edição – Roberto Seabra

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