Direitos Humanos

Deputados e juristas divergem sobre a punição de tortura praticada na ditadura

A punição do crime de sequestro de militantes da esquerda por agentes da repressão também vem sendo questionado.

11/05/2012 - 11:50  

A Lei da Anistia (6.683/79) contempla os crimes praticados por motivação política, os chamados crimes conexos, mas muitos entendem que crimes de tortura não prescrevem nunca. Essa é a opinião da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Organização das Nações Unidas (ONU).

“É preciso que todos os torturadores e ditadores saibam que seus crimes jamais serão impunes, jamais serão objeto de anistia. Este é o conceito mais moderno do mundo. Se Idi Amin Dada soubesse disso jamais feria o que fez em Uganda. Se Baby Doc soubesse disso jamais faria o que fez no Haiti. O que preocupa a OAB é que no Brasil ainda parece que os ditadores dos outros são feios e os nossos são bonitos e perdoáveis”, critica o ex-presidente da OAB Cezar Brito.

O advogado vincula a tortura do passado à praticada no presente. “Se nós perdoamos o torturador, se aceitamos a tortura, vai acontecer o que ainda acontece nas delegacias brasileiras. A tortura ainda como objeto de prova válida, estimulada por parte da sociedade, quando tem um objeto seu roubado.”

Opinião semelhante tem o juiz João Batista Damasceno, da Associação dos Juízes pela Democracia. “Quem defende a impunidade de torturadores é conivente com a tortura efetivada. Ainda que não a tenha praticada. Quem praticou, financiou, lucrou com a tortura, com os desaparecimentos e com aquelas práticas nefastas não pode deixar de ser responsabilizado.”

Sequestro
Também o crime de sequestro de militantes da esquerda por agentes da repressão vem sendo questionado. O Ministério Público Federal (MPF) argumenta que o sequestro é crime de efeito permanente.

Em abril deste ano, o Ministério Público Federal em São Paulo denunciou à justiça o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do Doi-Codi em São Paulo, entre 1970 à 1974, e o delegado Dirceu Gravina, da Polícia Civil de São Paulo, pelo crime de sequestro qualificado do bancário e líder sindical Aluízio Palhano Ferreira, preso em 1971.

Como o corpo de Palhano nunca foi encontrado, o crime de sequestro continua, ou seja, o caso não prescreveu. O MPF argumenta que o caso não fere a Lei da Anistia, já que o perdão abrange apenas os crimes cometidos até 15 de agosto de 1979.

O general do Exército Marco Antonio Felício critica essas movimentações jurídicas e a criação da Comissão da Verdade. “O que estão fazendo hoje é a fratura da sociedade brasileira. É a fratura da paz social. Temos que olhar para frente.”

Felício é o autor do manifesto intitulado “Eles que venham. Por aqui não passarão” contra os “desvios” que considera ter a Comissão da Verdade. Ele conseguiu a assinatura de mais de 2.400 militares da reserva.

Luiza erundina
Erundina reclama que a história nem sempre é contada aos jovens.

Crimes da oposição
Se não for possível impedir a Comissão da Verdade antes dela iniciar, os militares exigem que a apuração das violações contra os direitos humanos contemple os dois lados da contenda. Ou seja, eles querem colocar no foco da comissão também os crimes praticados pelos opositores ao regime. “Eles não defendiam os direitos humanos, mas a instalação de uma ditadura comunista no País. E as Forças Armadas lutavam contra isso. Uma guerra é preciso lembrar não se faz com flores. E foram eles que começaram a luta armada.”

A coordenadora da Comissão Parlamentar da Memória, deputada Luiza Erundina (PSB-SP), no entanto, afirma que esses crimes já foram apurados. “Alegam que militantes da esquerda também praticaram crimes. É verdade. Mas já foram julgados, Foram processados. Punidos com prisões, além das torturas, no curso da repressão política”.

De acordo com a procuradora federal Eugênia Gonzaga, há um desequilíbrio enorme nos processos. São muitos os processos contra militantes políticos e nenhum processo aplicado contra agentes da repressão.

Levante Popular
Nessa arena em que pela retórica se digladiam os “mais velhos” surge um vento novo: um movimento jovem que está levando às ruas o repúdio à violação dos direitos humanos no País à época da ditadura. O movimento Levante Popular da Juventude está organizado em 17 estados e pratica o “esculacho”. “O esculacho consiste em denunciar os torturadores para seu círculo social. Dizer para essas pessoas que eles são torturadores, estupradores e assassinos também em alguns casos”, explica o estudante de tecnologia da computação Edson Rocha Junior, que integra o movimento.

“A ideia de uma movimentação desse tipo é abrir diálogo com a sociedade civil sobre o período da ditadura militar. Sobre a importância da Comissão da Verdade e de saber de fato o que aconteceu nesse período. Então não consiste apenas sobre ações como esculacho. A gente quer investir no diálogo com a juventude que tem sua história roubada por quem quer os arquivos fechados”, explica o estudante.

A deputada Luiza Erundina defende a participação dos jovens nesse movimento. “É bom que a juventude esteja se envolvendo. A história nem sempre é contada. Porque é sempre a história oficial que tem a prioridade. A história real nem sempre tem a divulgação. Não chega às escolas, às universidades.”

Reportagem - Eduardo Tramarim/Rádio Câmara
Edição – Natalia Doederlein

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