Política e Administração Pública

Teto de gastos públicos gera polêmica em debates sobre o Orçamento

Para os defensores da política de limitação de gastos, a medida vai ajudar a reduzir o endividamento público. Já os opositores criticam os cortes nas despesas sociais

03/01/2018 - 16:18   •   Atualizado em 03/01/2018 - 16:53

Com pouco mais de um ano de vigência, a política de teto de gastos implementada pelo governo Michel Temer ainda provoca polêmica no Congresso Nacional. Durante a votação da proposta orçamentária, no mês passado, o assunto foi o espectro que rondou todas as discussões e embates na Comissão Mista de Orçamento.

Os defensores da política de limitação de gastos alegam que ela vai ajudar a conter as despesas públicas e permitir a geração de resultados fiscais. Juntos, reduzirão o endividamento público, crescente desde 2013. Para os detratores, o teto comprime as despesas sociais, prejudicando a parcela mais vulnerável da população, dependente de políticas públicas.

O teto de gastos surgiu com a Emenda Constitucional 95, promulgada após intensos debates na Câmara dos Deputados e no Senado. A emenda instituiu o Novo Regime Fiscal, nome oficial da nova política fiscal. Pelo regime, a despesa primária da União não poderá crescer em ritmo superior ao da taxa de inflação pelo período de 20 anos (2017-2036). Trata-se, em síntese, de uma regra fiscal de “crescimento real zero” da despesa.

Menos recursos
Crítico contumaz do regime, o deputado Bohn Gass (PT-RS) disse que o teto de gastos está no centro dos debates sobre os rumos das políticas públicas. Com base em um levantamento feito pelo partido, que comparou as propostas orçamentárias de 2017 e 2018, ele disse que áreas como saúde e educação serão fortemente afetadas pelo “congelamento” real das despesas.

Na saúde, por exemplo, entre os dois anos houve uma redução de R$ 2,37 bilhões, quando se analisa os gastos por função. A esse ritmo, segundo o deputado, em 20 anos a área deixará de receber R$ 47 bilhões. Na educação, seriam R$ 56 bilhões a menos.

“Esse é o crime que estamos cometendo”, disse Bohn Gass. “Não adianta reivindicarmos 1 milhão aqui, 1 milhão lá, se temos um congelamento por 20 anos.”

A deputada Carmen Zanotto (PPS-SC) também criticou o Novo Regime Fiscal. Para a parlamentar, o teto de gastos só deveria ter sido aprovado após ajustes no orçamento, para evitar que áreas sensíveis para a população saíssem prejudicadas.

Carmen Zanotto citou como exemplo a assistência social. Os recursos para ações de proteção social básica e especial somam R$ 1,7 bilhão no orçamento deste ano, contra R$ 1,9 bilhão autorizados para o ano passado. Estas ações financiam centros que atendem as famílias socialmente mais vulneráveis. “Sempre disse que ninguém pode gastar mais do que arrecada. Mas não dava para nós aprovarmos aquele texto sem primeiro fazermos algumas adequações no orçamento”, afirmou.

O presidente da Comissão de Orçamento, senador Dário Berger (PMDB-SC), acredita que a rigidez do novo regime, que limita as despesas primárias, mas não fixa teto para as despesas com a dívida pública federal, terá que ser revista pelo Congresso. “Esse sistema inflexível pode se transformar numa bomba que pode estourar no curto prazo. Os buracos continuam existindo nas ruas, os alunos continuam indo para escola, a segurança precisa ser melhorada”, disse. “Estamos nos preocupando única e exclusivamente com os números, e não com as pessoas.”

Debate qualificado
Para os defensores do novo regime, a política de teto de gastos cria uma oportunidade para o Congresso qualificar o debate orçamentário. As áreas serão mais ou menos aquinhoadas dependendo das pressões, naturais no processo político, e das necessidades. Além disso, os parlamentares vão discutir sobre recursos efetivos.

O deputado Claudio Cajado (DEM-BA) disse que acabou a era em que os parlamentares ampliavam artificialmente a receita para fechar a conta das despesas. Agora, segundo ele, o orçamento será mais real. “Antes, como era feito o orçamento?: você partia dos pleitos e, se não desse para fechar, se elevava a receita com fontes podres. Com a restrição do limite de gastos, você tem que sair do fim, que é o teto, para fechar o orçamento”, disse. Ele afirmou ainda que nenhuma área social será prejudicada neste ano.

O deputado Evandro Roman (PSD-PR) tem opinião semelhante. “Antes era uma situação que se negociava com ‘dinheiro virtual’ e depois tentava-se, durante o ano, politicamente brigar. Agora não, agora temos o teto e as prioridades terão que ser dadas por nós”, afirmou.

Um dos principais defensores na Câmara da disciplina fiscal, o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) disse que, sem a limitação dos gastos, a dívida pública do País se tornará insustentável. “O ajuste fiscal não é desejo ou escolha, é uma imposição da realidade”, disse.

Marcus Pestana criticou os parlamentares que afirmam que o novo regime engessou os gastos federais. “O que engessa o orçamento não é o teto, é a situação fiscal. É igual marido traído culpar o sofá”, declarou.

O deputado Pedro Fernandes (PTB-MA) também apontou a restrição fiscal como o centro do debate, e não o teto de gastos. “A mensagem que tem que ficar é que não temos recursos. Para ter dinheiro, ou se pega financiamento ou se corta na carne”, afirmou.

Opção pelo extrateto
O relator-geral da proposta orçamentária de 2018 (transformada na Lei 13.587/18), deputado Cacá Leão (PP-BA), foi o primeiro ocupante deste cargo a lidar com o Novo Regime Fiscal. Ele admitiu que trabalhou com recursos escassos – alguns membros da Comissão de Orçamento disseram que, enquanto os relatores-gerais anteriores tiveram um cobertor curto, Leão teve uma fronha –, o que tornou a relatoria mais desafiadora. “Tudo que é novo é mais difícil de fazer”, disse o deputado.

A saída encontrada para privilegiar algumas áreas com mais recursos foi usar as exceções do Novo Regime Fiscal, que colocou fora do teto uma série limitada de despesas, como as destinadas ao Fundeb, principal fonte de financiamento da educação básica pública.

Todos os anos, o governo federal deve repassar uma complementação aos estados que não alcançam com a própria arrecadação o valor mínimo nacional por aluno estabelecido a cada ano (esse valor foi de R$ 2.875,03 em 2017). Leão destinou R$ 1,5 bilhão a mais para a complementação, que totalizou R$ 15,5 bilhões.

Esse valor adicional, no entanto, foi vetado pelo presidente Michel Temer, que manteve o valor inicialmente autorizado para o Fundeb em 2018, de cerca de R$ 14 bilhões. Segundo o governo, o adicional de R$ 1,5 bilhão poderia “comprometer o equilíbrio das contas públicas, essencial para a recuperação econômica do País”.

Cacá Leão usou a mesma brecha deixada pela emenda constitucional do novo regime – que também considera extrateto a capitalização de estatais não custeadas pelo Tesouro Nacional – para injetar R$ 1 bilhão em uma estatal que constrói navios para a Marinha.

Reportagem – Janary Júnior
Edição – Pierre Triboli

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