Saúde

Entre muros no passado, moradores de colônias reivindicam atendimento médico

11/06/2012 - 08:59  

Arquivo/ TV Câmara
Saúde - Hanseníase - Vitral - matéria 6
"Abandonem a esperança", dizia vitral do antigo Hospital dos Lázaros do Rio de Janeiro.

No antigo Hospital dos Lázaros do Rio de Janeiro, em 1880, a inscrição na porta era a mesma sentença que aparece na porta do inferno da obra clássica de Dante Alighieri, A Divina Comédia: “abandonem toda esperança, vós que aqui entrais”. D. Pedro II teria desaprovado a frase e mandado substituí-la por “Aqui renasce a esperança”.

Esse episódio evidencia o significado que contrair a hanseníase teve ao longo dos séculos. Na Idade Média, período em que a doença se disseminou intensamente pela Europa, padres conduziam cerimônias em que os portadores eram declarados mortos para a sociedade, ainda que vivos para Deus. O isolamento era o destino de quem aparecia com os sinais mais característicos da doença: as manchas na pele. Hoje se sabe que muitas pessoas com outras doenças dermatológicas também foram segregadas.

O isolamento atravessou todos os períodos da história até que o padrão moderno dos hospitais-colônia se difundiu por todo o mundo no século XX. Nesse modelo, os doentes eram isolados e tratados nos leprosários, os familiares eram monitorados em unidades chamadas dispensários, e as crianças nascidas de mães internadas nas colônias eram levadas para orfanatos chamados preventórios.

Arquivo/ TV Câmara
Saúde - Hanseníase - Igreja - matéria 6
Igreja na antiga colônia Santa Marta.

No Brasil, em 1923, um decreto instituiu o isolamento compulsório para os pacientes. “Hoje, a gente vê que foi uma medida equivocada e autoritária, mas essa era a forma de tratamento que os médicos tinham naquela época”, analisa a historiadora da Fundação Oswaldo Cruz Laurinda Maciel. Laurinda é autora da tese de doutorado “Em proveitos dos sãos, perde o lázaro a liberdade – uma história das políticas públicas de combate à lepra no Brasil”.

Não existem registros de quantos pacientes foram internados em hospitais-colônia no Brasil da década de 1920 até 1976, quando a política de isolamento foi oficialmente abolida. Porém, há registros de pacientes internados à força até 1986. As colônias eram verdadeiras cidades, com igrejas, clubes recreativos, cinemas e cadeias onde o delegado e os guardas também eram pacientes. Casamentos também eram realizados – os casais moravam em vilas que até hoje abrigam ex-internos e seus familiares.

Passado e presente
Ainda existem no Brasil 33 hospitais-colônia, com pacientes remanescentes e vilas de moradores. Muitos deles são idosos e têm sequelas graves da doença. Em 2007, uma medida provisória enviada ao Congresso (MP 373/07) instituiu uma pensão vitalícia para os pacientes que foram obrigados a se internar em colônias. A MP foi convertida na Lei 11.520/07 e, desde então, mais de 8 mil pensões já foram concedidas para pessoas de todo o País.

Além da reparação financeira, a lei determina que o Ministério da Saúde deve articular ações com estados e municípios para garantir o atendimento médico dos ex-internos. Moradores alertam, porém, que isso não está acontecendo em diversos locais.

Habitante do Hospital de Dermatologia Sanitária do Rio de Janeiro, antiga colônia de Curupaiti, Antônio Pereira Rosa, de 73 anos, teve que se deslocar até Minas Gerais para conseguir atendimemento médico especializado. “Tenho um ferida crônica no pé há 34 anos e quando a coisa aperta, vou para a colônia Santa Isabel, em Betim, que oferece um atendimento exemplar. Poderia me mudar para lá, mas eu amo Curupaiti, foi o lugar que me acolheu”, relata ele, afirmando que outros cinco moradores idosos de Curupaiti também viajam para receber atendimento médico em Minas Gerais.

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Saúde - Hanseníase - Moradores da colônia Santa Marta - matéria 6
Moradores da antiga colônia Santa Marta denunciam a falta de atendimento médico.

No atual Hospital de Dermatologia Sanitária e antiga colônia Santa Marta, em Goiânia, moradores também denunciam a falta de atendimento. José Tadeu Bezerra, internado no hospital em 1983 e hoje morador da vila vizinha ao hospital, denuncia que os serviços municipais não oferecem a atenção que os pacientes idosos precisam. “Muitos deles são deficientes físicos e não têm condições de se deslocar de suas casas. Mas, como eles recebem a pensão criada para os ex-moradores de colônia, os gestores estão se eximindo de cuidar dessas pessoas”, destaca.

Atualmente não existem dados sobre quantos são e como vivem os moradores das antigas colônias. Autor de um requerimento de audiência pública para debater a situação atual da hanseníase, o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) ressalta que o Estado brasileiro ainda precisa rever muitas violações de direito que cometeu e ainda comete contra os ex-internos. “Além de convidar o Ministério da Saúde e os movimentos organizados, queremos ouvir essas pessoas, saber como elas estão vivendo hoje”, ressalta o parlamentar. A audiência ainda não foi marcada.

Reportagem- Daniele Lessa Soares/Rádio Câmara
Edição- Mariana Monteiro

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