Política e Administração Pública

Veja a íntegra do discurso de Marco Maia

01/03/2011 - 13:25  

Senhoras e Senhores, a instalação, nos primeiros dias da legislatura, tanto no Senado Federal como na Câmara dos Deputados, de comissões especiais destinadas a encaminhar a discussão parlamentar da reforma política indica a importância da matéria para o Congresso Nacional recentemente eleito. A repercussão dessa iniciativa junto a outras instâncias do aparelho estatal mostra que o sentimento de urgência e relevância se estende para além do Congresso. E o interesse de setores crescentes da população por participar mais ativamente do debate da reforma política completa o quadro promissor para o avanço institucional nessa área.

Nas breves considerações que desenvolverei a seguir, com o único intuito de recordar aos presentes o caminho que percorremos para chegar à situação atual, vou realçar a importância da participação popular para o êxito da reforma política. Afinal, é a energia que vem da população que move e legitima as instâncias de representação política no desempenho de suas relevantes funções constitucionais.

Foi assim, por exemplo, quando, no fim da década de 1970, a ampla maioria do povo brasileiro se rebelou contra um quadro institucional que comprimia drasticamente o espaço para que a sociedade se manifestasse na esfera política. Essa rebelião produziu alterações institucionais em cadeia, cujo ápice, não posso deixar de registrar, foi atingido quando o atual presidente do Senado Federal ocupava a presidência da República, com sua decidida colaboração.

Já nos acostumamos às conquistas obtidas, naquela quadra histórica, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985. Mal lembramos que há não muito tempo havia partidos políticos proibidos no Brasil. Em 1982, mesmo depois de ultrapassado o bipartidarismo forçado da década anterior, os partidos comunistas ainda eram impedidos de formalizar sua participação eleitoral, cumprissem ou não as exigências legais então vigentes.

A legislação tampouco permitia as eleições diretas para a presidência da República. A Emenda nº 25 mudou essa situação. E consagrou, ainda, um dos maiores avanços da legislação eleitoral e partidária brasileira de todos os tempos. Ao acabar com a proibição do voto dos analfabetos, ela deixou claro que não há cidadãos de primeira e de segunda classe no Brasil, mas somos todos chamados a intervir na política nacional.
A Constituição Federal de 1988 consagrou e ampliou, em suma, os dois fundamentos decisivos do direito de participação política em nosso tempo: primeiro, a ampliação do sufrágio, que, em nosso país, já inclui os jovens maiores de 16 anos; e, segundo, a liberdade dos cidadãos para se organizarem em partidos políticos destinados a intervir na arena pública. A relevância dessas duas conquistas do povo brasileiro foi de tal ordem que, desde então, uma realidade política totalmente nova se instalou no país.

Por isso, antes de seguir recordando, a traços largos, a história de nossas atuais instituições representativas, quero voltar a um comentário que fiz recentemente. Temos todos a sensação de que o Brasil vem avançando nos planos econômico e social nos últimos anos, mas que a institucionalidade política ainda precisa acompanhar esse avanço. Estou convencido de que se trata de uma percepção correta, pois, assim como a boa política sempre está de mãos dadas com uma economia vigorosa, a economia não pode prescindir de uma política forte e justa. No entanto, estaríamos sendo injustos com as instituições democráticas, conquistadas pelo povo brasileiro há mais de vinte anos, se não registrássemos que elas criaram as bases dos avanços econômicos e sociais recentes.

Insisto nesse ponto porque ele nos leva a duas conclusões importantes. Primeiro, à conclusão de que as instituições importam. Se não tivéssemos aberto, lá atrás, o espaço institucional para que o conjunto da população brasileira – particularmente, a classe trabalhadora – participasse da esfera decisória estatal, certamente não teríamos encontrado mais tarde o caminho do desenvolvimento harmônico nos planos econômico e social. E, segundo, à conclusão de que a população percebe quando as instituições se mostram insuficientes para responder às demandas de um novo tempo. Nesses momentos, ela passa a manifestar com maior intensidade seus anseios de mudança, como, aliás, já vem acontecendo.

Temos, portanto, um duplo estímulo para investir nossa energia na reforma das instituições políticas. Sabemos, de um lado, que o avanço institucional na esfera política, além de valioso em si mesmo, acaba por produzir efeitos positivos na vida material das pessoas. E sabemos, de outro lado, que o crescente interesse popular por influir na configuração das instituições representativas é o melhor indício de que novos avanços são necessários nessa área e de que eles se darão na direção de mais democracia e eficiência administrativa.

Para que isso ocorra, no entanto, é preciso que a população, por meio das organizações e dos movimentos sociais mais engajados nessa luta, se aproprie efetivamente dos termos do debate em toda a sua complexidade. Afinal, em muitos sentidos, as questões atualmente enfrentadas são mais intrincadas que na década de 1980. Naquele momento, o rumo era claro. A ampliação do sufrágio e a liberdade para que todos os setores sociais criassem suas organizações partidárias eram objetivos suficientemente gerais para reunir amplo consenso. Agora, a discussão precisa avançar para os detalhes da institucionalidade política.
Ora, o Congresso Nacional acumulou um imenso patrimônio de pesquisa e discussão nessa área. Não podemos jogar esse patrimônio fora. Nem esta é a primeira comissão instalada na Câmara dos Deputados para atuar na área da reforma política, nem as comissões anteriores deixaram de produzir efeitos. Basta referi-las para que se tenha uma ideia da dimensão da tarefa que realizaram desde a promulgação da Constituição de 1988.

A Comissão Especial instalada em 1992, presidida pelo deputado Prisco Viana, tendo por relator o deputado João Almeida, desenvolveu seus trabalhos em meio à preparação para o plebiscito de 1993, em que o povo optou pela república presidencialista em detrimento da monarquia e do parlamentarismo. Naturalmente, o debate sobre as alternativas apresentadas à população ocupou boa parte da energia da Comissão. Não por isso ela deixou de elaborar a lei especial para as eleições de 1994 e a primeira versão, enviada para a revisão do Senado Federal, da proposição que viria a transformar-se na Lei dos Partidos Políticos.

A Comissão Especial instalada em 1995, presidida pelo deputado Mendonça Filho, mais uma vez tendo por relator o deputado João Almeida, analisou as mudanças introduzidas pelo Senado Federal no projeto de lei dos partidos políticos, que veio a ser aprovado pouco depois, e elaborou a legislação especial que regeria as eleições de 1996.

A Comissão Especial instalada em 1997, mais uma vez presidida pelo deputado Mendonça Filho, tendo por relator o deputado Carlos Apolinário, analisou o projeto que iria transformar-se em uma lei permanente para as eleições, substituindo a prática de promulgar-se um diploma legal especial para cada pleito.
Paralelamente ao aperfeiçoamento e à consolidação da legislação ordinária, foi promulgada a Lei Complementar nº 64, de 18 de março de 1990, que estabelece e regula os casos de inelegibilidade, e foram introduzidas alterações na Constituição Federal, como a redução do período de duração do mandato presidencial de cinco para quatro anos e a permissão de uma reeleição consecutiva para os cargos eletivos de direção do Poder Executivo.

Em resumo, o Congresso Nacional não ficou inerte, nessa área, desde que foi promulgada a Constituição de 1988. Somente a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, chamada Lei dos Partidos Políticos, e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, a Lei permanente das Eleições, já justificariam o longo processo de desenvolvimento da reforma política no interior do Poder Legislativo. Elas dotaram o sistema eleitoral e partidário da estabilidade indispensável para garantir seu funcionamento minimamente consistente.
Nas comissões especiais instaladas posteriormente, as discussões puderam se dar sem o açodamento decorrente da necessidade imperiosa de adaptar a legislação partidária às determinações da Constituição de 1988 ou da urgência de regulamentar o pleito imediatamente seguinte. A Comissão Especial de 2003, por exemplo, presidida pelo deputado Alexandre Cardoso, tendo por relator o deputado Ronaldo Caiado, elaborou o sofisticado Projeto de Lei que centralizou as discussões da reforma política na legislatura passada. Como se sabe, as propostas nele contidas chegaram a ser levadas à consideração do Plenário, em 2007, quando o deputado Arlindo Chinaglia presidia a Casa.

Embora eu tenha me limitado a tratar dos trabalhos legislativos a partir do que acontecia na Câmara dos Deputados, é claro que todo esse percurso de reforma e aprimoramento institucional vem sendo percorrido, no Congresso Nacional, em conjunto com o Senado Federal. Na verdade, muitas vezes o percurso se estende para além do próprio Congresso.

É assim que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário interagem necessariamente em vários momentos da reforma política, mesmo com cada um se limitando ao estrito cumprimento de suas atribuições constitucionais. Cito um exemplo apenas.

Em 1995, o Congresso Nacional cria, na Lei dos Partidos Políticos, uma cláusula que veda o funcionamento parlamentar de agremiações partidárias que não alcancem determinado desempenho nas eleições para a Câmara dos Deputados. O Poder Executivo sanciona a Lei. Em 2006, o Supremo Tribunal Federal considera a cláusula inconstitucional. Pouco depois, a discussão da matéria volta a ganhar fôlego no Congresso, havendo, inclusive, proposta de emenda constitucional enviada ao Legislativo pelo Poder Executivo. Pois bem, uma das questões envolvidas na discussão é justamente a do significado preciso da decisão judicial. Tudo isso ilustra cabalmente como interagem as várias instâncias do poder estatal no exercício corrente de suas funções.
A iniciativa de setores sociais expressivos de dialogarem intensamente com o Congresso Nacional no processo da reforma política introduz ainda maior complexidade no processo reformador, junto com maiores esperanças Hoje, já dispomos de normas eleitorais resultantes de projetos de lei trazidos à Câmara dos Deputados com o apoio de centenas de milhares de assinaturas de cidadãos. A Lei Complementar nº 135, de 4 junho de 2010, chamada Lei da Ficha Limpa, em fase de avaliação pelo Supremo Tribunal Federal a respeito dos limites temporais de sua aplicação, exemplifica a teia de relações entre sociedade, Congresso e Poder Judiciário no processo de reforma das instituições políticas.

Para completar o quadro, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados recebe frequentemente projetos propugnados por entidades da sociedade civil na área de reforma política. Essas proposições mostram que a reflexão cidadã sobre nossas instituições de representação política já ultrapassa o âmbito da indignação contra desvios individuais de conduta dos representantes políticos – indignação, aliás, legítima – para dirigir-se aos temas mais estruturais relativos à configuração das instituições pelas quais o Estado toma decisões.

A Comissão Especial agora instalada na Câmara dos Deputados é herdeira, portanto, de um acervo significativo de pesquisa e conhecimento, acumulado na própria Casa, no Senado Federal, em outras instâncias do aparelho estatal e em vários centros de pesquisa acadêmica espalhados pelo país. Boa parte desse rico acervo se encontra plasmado em inúmeras proposições que tramitam no Congresso Nacional. A Comissão conta, ainda, com amplo respaldo da sociedade civil, que deseja participar ativamente das discussões, colaborando para o avanço institucional no país.

É hora, pois, de dar andamento ao processo legislativo, pois ele, com seu sistema de comissões, suas audiências públicas, seus debates abertos e incisivos, constitui, de um lado, um sofisticado mecanismo de recolha e elaboração de informações oriundas dos mais variados segmentos da sociedade e, de outro lado, uma vitrine para que as grandes questões nacionais atinjam a população.

Só o Poder Legislativo articula as demandas populares na amplitude e na profundidade indispensáveis para que elas se transformem em efetivas decisões públicas, decisões de todas e todos. Nós, os representantes do povo, carregamos a imensa responsabilidade de encontrar o denominador comum entre as concepções presentes na sociedade brasileira sobre as mais diversas matérias.

A reforma política nos pede a mesma responsabilidade, o mesmo discernimento e a mesma vontade que dedicamos à elaboração das leis que deram suporte aos avanços obtidos nas áreas econômica e social nos últimos anos. Afinal, são inúmeras as questões relevantes tratadas nesta Casa, mas o desenho das instituições pelas quais a sociedade toma suas decisões coletivas, que é a questão de fundo de toda reforma política, constitui provavelmente o maior desafio de qualquer nação.

A Câmara dos Deputados, podem ter certeza, não se furtará do encargo constitucional de decidir sobre todas as questões cruciais para aqueles que explicitamente nos deram o mandato de representá-los. E a Reforma Política se enquadra nesta categoria

Muito obrigado e bom trabalho à Comissão que hoje, aqui se instala.

Da Redação

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