Economia

Dívida ativa supera arrecadação; propostas para agilizar cobrança não andam

28/01/2015 - 18:52  

O esforço que o governo federal tem feito para diminuir gastos, por um lado, e aumentar a arrecadação, por outro, parece mínimo quando comparado com o montante devido em tributos não pagos por empresas e contribuintes inscritos na Dívida Ativa da União (DAU). Apesar da importância da obtenção desses recursos para os cofres públicos, as propostas em tramitação na Câmara dos Deputados para agilizar a recuperação dos créditos estão paradas desde 2011.

De acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015 (Lei 13.080/15), a DAU chegou, em 2013, a R$ 1,273 trilhão. Desse total, apenas 1,8% (R$ 23,4 bilhões) foi recuperado pelo Executivo. No mesmo ano, a arrecadação de todos os tributos federais chegou a R$ 1,13 trilhão, 11% (R$ 143 bilhões) a menos do que o valor devido por contribuintes ao fisco.

Enquanto isso, os esforços do governo devem somar R$ 60,6 bilhões, com o congelamento de despesas de custeio (R$ 22 bilhões anuais); as mudanças nas regras do seguro-desemprego (R$ 18 bilhões); e a expectativa de crescimento da arrecadação com o aumento de tributos (R$ 20,6 bilhões) nas áreas de combustíveis, produtos importados, cosméticos e operações financeiras.

Dificuldade na execução
A dificuldade de conseguir arrecadar os tributos não pagos esbarram em alguns entraves. Segundo o presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, Heráclio Camargo, falta estrutura para poder agilizar os processos. “Temos mais de 300 cargos vagos há mais de seis anos. Imaginem a diferença que 300 procuradores espalhados pelo Brasil poderiam fazer na cobrança desse R$ 1,5 trilhão”, afirmou. O valor é a estimativa do sindicato para o montante da dívida ao final de 2015.

Outro gargalo, para Camargo, é a lentidão da execução fiscal no Judiciário. “Ela é pensada para ser rápida, mas infelizmente a jurisprudência beneficia os devedores e acaba tendo uma abordagem mais conservadora”, disse o sindicalista.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 32% dos processos na Justiça em 2013 eram sobre dívidas de contribuintes com a União. Muitas cobranças não chegam a ser analisadas, porque o processo de execução fiscal custa, em média, R$ 4,3 mil para a Justiça, de acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Na prática, qualquer dívida abaixo ou próxima desse valor não é questionada judicialmente.

Propostas
Para tentar agilizar a recuperação desses tributos, o governo do então presidente Lula enviou ao Congresso um pacote de medidas (PLs 5080/09, 5081/09 e 5082/09). Uma das propostas altera as regras para a cobrança da dívida ativa da União e dos estados, hoje regulada pela Lei de Execução Fiscal (6.830/80). O objetivo é ampliar a fase administrativa da cobrança, facilitando a recuperação dos valores devidos ao fisco. A principal novidade é o Fisco poder penhorar diretamente os bens do devedor, sem autorização judicial.

Em 2009, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou um manifesto alertando para os riscos de aprovação dos textos. Segundo a entidade, as propostas acabam com o direito de defesa do contribuinte incluído na dívida ativa "e retiram o escudo protetor existente entre o cidadão e o Fisco, que é a Justiça".

As propostas do Executivo foram apensadas ao Projeto de Lei 2412/07, do ex-deputado Regis de Oliveira, que já tramitava na Casa e busca acabar com a execução fiscal. Os outros projetos buscam regulamentar a cobrança da dívida ativa da União e estados; e criar a Lei Geral de Transação em Matéria Tributária para permitir a negociação de débitos de empresas em dificuldades.

Por causa de uma divergência regimentar, até hoje as propostas não andaram. A constitucionalidade de alguns pontos dos projetos do governo depende de modificações no Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), previstas no Projeto de Lei Complementar (PLP) 469/09, também do Executivo e integrante do pacote. Atualmente, os quatro projetos de lei estão na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) por um questionamento de constitucionalidade. Desde 2010, três deputados foram indicados para a relatoria da questão, mas não emitiram parecer. O atual relator, deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA), foi procurado pela reportagem, porém não retornou as ligações.

Beto Oliveira
João Maia
João Maia: ideal seria o governo recuperar os créditos tributários ainda na fase administrativa, sem precisar recorrer à Justiça.

Para o deputado João Maia (PR-RN), autor do substitutivo ao PLP 469/09, o ideal é tentar recuperar os créditos tributários ainda na fase administrativa, a cargo da Receita Federal. “[Melhor seria] se a gente pudesse resolver isso sem levar para a Justiça, onde você pega a primeira instância, aí o governo recorre e isso se estende por anos e anos.” O substitutivo de Maia autoriza a solução de conflitos de natureza tributária por meio de arbitragem e permite a utilização de precatórios para compensação de dívidas tributárias com um mesmo ente federado.

Refis
Uma outra dificuldade, na opinião do sindicalista Heráclio Camargo, é a expectativa dos contribuintes inadimplentes de sempre contarem com um novo programa de recuperação fiscal, os chamados Refis, para poder pagar os tributos atrasados, com condições facilitadas. “Isso desmoraliza a cobrança daquelas empresas que recolhem seus tributos em dia, porque esses favores legais beneficiam os maus pagadores”, argumentou. Camargo reconheceu que os programas geram uma grande arrecadação quando são lançados, mas prejudicam a cultura de pagar tributos do Brasil.

De 2000 a 2009, o governo instituiu quatro programas de refinanciamento. O último, chamado de Refis da Crise (leis 11.941/09 e 12.249/10), teve o prazo ampliado três vezes.

Essa é a mesma opinião do deputado Izalci (PSDB-DF). “No Brasil as pessoas mais ricas são as que mais devem, pois sabem que o Estado tem dificuldade de cobrar e sempre vem um reparcelamento”, comentou o parlamentar.

Maiores devedores
Atualmente, existem mais de 17,6 mil contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, com dívida com a União acima de R$ 10 milhões, conforme dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão responsável por tentar reaver os tributos não pagos. A maior dívida é de uma antiga filial da Parmalat na Itália, a Carital Brasil LTDA, e chega a R$ 24,1 bilhões, seguida da própria Parmalat, hoje uma marca da Lácteos Brasil, com débito de R$ 22,9 bilhões.

Reportagem – Tiago Miranda
Edição – Marcelo Oliveira

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