Direitos Humanos

Filhos de internos das colônias reivindicam pensão reparadora

11/06/2012 - 08:58  

Arquivo/ TV Câmara
Saúde - Hanseníase - Rosa Maria Carolina - matéria 5
Rosa Maria foi separada da mãe ao nascer.

“Nós fomos separado, sofremos. Mas estamos juntos agora”. A camiseta que Rosa Maria Carolina de Melo estava usando trazia essa inscrição quando ela concedeu a entrevista à Agência Câmara sobre seu passado. Sua mãe teve hanseníase e era interna na colônia Santa Marta, em Goiânia. Ao nascer, ela foi imediatamente levada para o educandário Afrânio de Azevedo, onde ficou até os 17 anos. “Às vezes, eu subia no alto do orfanato, olhava ao redor e me perguntava de onde é que eu vim”, relata, ao lado de várias outras mulheres que também foram separadas dos pais.

Hoje, esses filhos já adultos reivindicam pensão do Estado como reparação pela alienação parental. A iniciativa partiu do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase, o Morhan, que já recebeu mais de 10 mil formulários de pessoas de todo o Brasil.

Artur Custódio, coordenador do Morhan, ressalta que o Estado já admitiu ter cometido uma violência ao internar as pessoas compulsoriamente. Em 2007, Medida Provisória (MP 373/07) aprovada no Congresso e convertida na Lei 11.520/07 concedeu pensão vitalícia a todos aqueles que comprovadamente foram obrigados a se internar em hospitais colônia. “Se as pessoas não deveriam ter sido internadas, muito menos os filhos separados dos pais, órfãos de pais vivos. É uma violência que deve ser reparada, e mais ainda, ser registrada para que coisas assim jamais voltem a acontecer”, defende Artur.

Arquivo/ Diogo Xavier
Sarney Filho
Sarney Filho: A lei não cricou mecanismos para reparar essa injustiça.

Na Câmara, foram apresentados três projetos de lei (2104/11, 2962/11 e 3303/12) com o objetivo de conceder essa pensão.

Autor do PL 2962/11, o deputado Sarney Filho (PV-MA), argumenta que o Estado deve reparar esses filhos, que além da violência psicológica, também foram prejudicados no aspecto material.

“O Poder Público obrigou os hansenianos a viver isolados e, com isso, prejudicou os filhos desses doentes, que devem ter suportado muitas privações. Porém, a lei que concedeu a pensão aos moradores não criou mecanismos para reparar essa injustiça”, destacou o parlamentar.

Arquivo/ TV Câmara
Saúde - Hanseníase - Judite e irmã Marilene - matéria 5
Judite (E) conta que foi abusada sexualmente no educandário.

Maus-tratos e abuso sexual
Além da separação dos pais, pessoas em diversos pontos do País relatam maus-tratos sofridos dentro dos orfanatos. Rosa Maria Carolina conta que, aos sete anos, tinha que cuidar de bebês recém-nascidos que chegavam da colônia.

Outras mulheres que cresceram no educandário Afrânio de Azevedo também relatam abusos cometidos dentro do orfanato. “A diretora me batia muito, tenho as veias das pernas estouradas por causa disso. O marido e o filho da diretora abusaram sexualmente de mim”, denuncia Judite da Silva. Ela afirma que levou o abuso ao conhecimento da diretora, que apenas teria intensificado as agressões físicas.

Hoje, o orfanato é uma creche que atende cerca de 200 crianças. A diretora Dirce Miranda de Sousa ainda é a mesma denunciada pelas mulheres. Ela nega os maus-tratos.

Arquivo/ TV Câmara
Saúde - Hanseníase - Dirce - matéria 5
Dirce Miranda: É muito difícil controlar uma moça.

“Algumas pessoas agora estão jogando contra o educandário porque eles acham que se falarem da mal da casa isso ajuda a receber essa pensão”, rebate ela. A diretora afirma que nunca espancou nenhuma criança e que apenas corrigia quando elas se portavam mal. Sobre os abusos sexuais, Dirce Miranda afirmou que “por mais que se vigie, é muito difícil você controlar uma moça”.

As mulheres afirmam que nunca denunciaram os maus-tratos por medo de retaliações. Todas confirmam um único desejo: que suas histórias sejam ouvidas para que nunca mais voltem a acontecer.

Sequelas neurológicas no Rio
No Rio de Janeiro, moradores da colônia de Curupaiti denunciam maus tratos contra crianças recém-nascidas. Rita de Cássia estava grávida quando chegou à colônia - a doença foi descoberta enquanto fazia o pré-natal.

Arquivo/ TV Câmara
Saúde - Hanseníase - Rita de Cássia - matéria 5
Rita de Cásia ficou separada da filha por sete anos.

Logo depois do parto, misturado à alegria de ter tido uma filha perfeita, o choque. “Umas duas horas depois de ter tido minha filha, uma senhora perguntou porque eu estava feliz. Quando respondi que era porque minha filha estava bem, ela contestou: boba, você nem vai poder tocar nela, você é uma leprosa”, emociona-se Rita, ao lembrar que ficou separada da filha por sete anos.

“Existem coisas que aconteceram lá e ela só foi me contar agora, depois de adulta. Aqui na colônia nós temos pessoas que ficaram retardadas pois, no educandário, medicavam as crianças com calmantes como diazepan, para elas não incomodarem”, denuncia ela.

Giovana, filha de Rita de Cássia, foi enviada ao educandário Santa Maria, no Rio de Janeiro. Para não ser impedida de vê-la, a menina foi registrada como filha da avó. Hoje, elas buscam provar que são mãe e filha. “Tive dois filhos dentro da colônia e o que foi enviado para o preventório Santa Maria ficou diferente, mesmo tendo ficado lá só um ano e meio. Até hoje ele toma remédio psiquiátrico. O outro filho, que foi levado para ser criado com a avó, não teve problemas, hoje trabalha e é independente”, relata Antônio Pereira Rosa, também morador de Curupaiti. “O carinho de mãe no berço fez toda a diferença”, completa ele.

Reportagem- Daniele Lessa Soares/Rádio Câmara
Edição- Mariana Monteiro

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