Direito e Justiça

Estudo mostra que projetos sobre penas mais duras geram distorções

Para relator, propostas em análise na Câmara sobre segurança pública criam uma desproporção: crimes leves são punidos de forma muito severa, enquanto as condutas graves implicam sanções mais brandas.

04/11/2011 - 14:34  

Arquivo/ Saulo Cruz
Alessandro Molon
Molon defende penas alternativas para crimes leves.

Estudo aponta que propostas sobre segurança pública em tramitação na Câmara buscam penas mais rigorosas para crimes. Elaborado pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Ministério da Justiça, o trabalho “Análise das justificativas para a produção de normas penais” pesquisou 100 projetos de lei entre 1988 e 2006 e identificou que a maioria tipifica novos crimes e endurece as sanções. No total, são 837 propostas de alterações legais – só quatro delas foram na direção oposta, de diminuir penas ou descriminalizar condutas.

O documento foi apresentado à Subcomissão Especial de Crimes e Penas. O objetivo é contribuir com o trabalho do grupo que discute a proporcionalidade das sanções no Código Penal (Decreto-lei 2.848/40). Segundo Luiz Antônio Bressane, que coordenou o estudo do ministério para ajudar nos debates do Legislativo, a percepção de impunidade por parte da sociedade muitas vezes leva os deputados a propor um endurecimento das penas, o que pode gerar distorções.

Sanções desproporcionais
O relator da subcomissão, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), avalia que o documento demostra que o Parlamento realmente tem tratado a questão penal de forma equivocada. A reforma pontual, agravando a pena de um único crime, piora o sistema penal brasileiro na opinião do relator, porque cria uma desproporção: crimes leves com penas duras, e crimes gravíssimos com sanções leves.

“Isso tem que acabar. A cada crime de grande repercussão na imprensa, um parlamentar aumenta a pena desse ou daquele crime. Por isso, queremos olhar para o Código Penal como um sistema e adequar as punições à gravidade das condutas”, explicou.

Entre os exemplos citados de crimes cujas penas são desproporcionais, está o de falsificação de remédios ou cosméticos, que pode levar de 10 a 15 anos de prisão, enquanto o homicídio simples tem pena de 6 a 20 anos de cadeia.

Penas alternativas
Outro ponto levantado pelo estudo é o de que a pena proposta nos projetos é sempre a prisão. Molon defende penas alternativas para algumas condutas. Em sua opinião, é preciso estabelecer uma relação entre o crime praticado, o dano causado à sociedade, e a pena alternativa a que a pessoa será condenada. "No caso de um indivíduo que destrói o patrimônio público, mais interessante do que prendê-lo, é obrigá-lo a restituir o erário. Obrigá-lo a consertar, varrer uma rua, pintar uma escola, servir num hospital, trabalhar como voluntário no resgate de pessoas que sofreram acidentes”, disse.

Molon deve apresentar seu relatório sobre a proporcionalidade das penas no fim do ano. Antes disso, a subcomissão vai promover três seminários para debater o tema. Na segunda-feira (7), em Recife; no dia 21, em Curitiba; e no dia 12 de dezembro, em Brasília.

Insignificância
Outro estudo foi apresentado à subcomissão pela pesquisadora Ana Carolina Oliveira, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). É possível que o colegiado estabeleça no Código Penal o princípio da insignificância – medida defendida pela estudiosa. Na opinião de alguns juristas, certos crimes praticados são de tão baixo potencial ofensivo ou sem nenhuma periculosidade que não deveriam iniciar um processo.

É o caso de furtos de valores muito pequenos, de comida, produtos de higiene ou ferramentas de trabalho. Segundo Ana Carolina, casos famosos como o de uma pessoa presa por dois anos pelo furto de R$ 7 enquanto aguarda julgamento ensejam habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF), e têm entrado para a jurisprudência, que apoia a insignificância de alguns crimes.

De acordo com a pesquisadora, outro parâmetro é a Lei 11.033/04, que estabeleceu que a execução fiscal de débitos da dívida ativa com a União só serão levados à Justiça a partir do valor de R$ 10 mil. “Se uma lei admite que é mais caro processar do que perseguir uma sonegação, devemos levar em conta se a perseguição de um crime vale à sociedade o quanto se procura reparar”, afirmou.

Reportagem – Marcello Larcher e Georgia Moraes
Edição – Marcelo Oliveira

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