Política e Administração Pública

Íntegra do discurso do senador José Sarney

02/02/2010 - 13:11  

Abro a 4ª Sessão Legislativa da 53ª Legislatura do Congresso Nacional. Aqui é o cerne da democracia, o lugar onde a voz do povo se faz ouvir com plenitude, na manifestação dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, eleitos para representar a vontade da Nação.
Apresento meus cumprimentos a Deputadas e Deputados, Senadoras e Senadores, com os meus votos para que tenham, nesta Sessão, grande êxito no seu trabalho, felicidades pessoais e contribuam para o desenvolvimento do nosso País.
Há 184 anos temos um Parlamento representando o povo, aberto e lutando pelas liberdades civis. Há 25 anos acabamos com o regime de exceção, e temos vivido a democracia em toda a sua integralidade, com os seus conflitos e suas soluções. Há 20 anos temos uma nova Constituição, regendo os destinos do País, com suas qualidades e seus defeitos, que nos levam a reformá-la e obedecê-la.
Peço licença para citar palavras que pronunciei quando abri pela primeira vez um ano legislativo, o de 1995:
“Assumi este cargo não num momento de glória do Poder Legislativo; mas numa fase em que a instituição atravessa profunda crise de identidade, exposta a permanente crítica e censura.
Meu desejo é prestar um serviço ao Congresso, juntando-me a todos os senadores e deputados, igual a qualquer um deles, na tarefa indispensável de modernização da Casa, animado pelo propósito de dar-lhe prestígio e respeito perante a sociedade, empreendendo um programa de reformas que lhe confiram o necessário suporte e a agilidade de um Parlamento forte e digno de nosso povo.
Nosso trabalho exige a sedimentação de uma profunda consciência moral de nossas responsabilidades, a obstinada decisão de não cometer erros, de jamais aceitar qualquer arranhão nos procedimentos éticos que devem nortear nossa conduta. Transparência, moralidade, eficiência, trabalho.
O Congresso é maior do que a soma de todos nós e a maior instituição do governo democrático. Os parlamentos perderam aquele charme romântico que os acompanhou durante todo o século XIX até metade do século XX. Eram o centro das decisões e elas podiam vir pela eloqüência. Era o tempo em que os plenários podiam ser tocados pela palavra, pelo delírio e pelo encantamento dos oradores.
Infelizmente, ainda somos dominados pela visão do parlamento do discurso, apenas uma das formas de fiscalização, e passamos essa imagem à -sociedade, que vincula o Congresso ao plenário.
Mas, o Congresso é muito mais.
É fiscalização, é acompanhamento, é controle do Poder Executivo e é o único lugar onde o povo, onde qualquer segmento social pode questionar governos, pessoas, fatos e apontar defeitos e erros, mesmo do próprio Parlamento.
Na mídia, nos organismos da sociedade organizada, nos grupos de pressão, a denúncia do povo passa pelo crivo da aprovação dos que governam e comandam. Aqui, não. Haverá sempre uma voz, um representante de um segmento social, de um município, de um bairro, de uma ideologia, de uma religião, de uma raça, de uma profissão no amplo espectro de que é formada a Casa, para dar corpo à função parlamentar de ser o instrumento da liberdade de opinião.
Sem Parlamento não há democracia, sem democracia não há liberdade, e sem liberdade o homem é apenas e às vezes um sobrevivente.
Sem parlamento forte, não há democracia forte.
Senhoras e Senhores Parlamentares,
O Congresso nunca faltou ao Brasil. Aqui nasceu o País. Aqui -construímos nossas instituições. Nenhum poder sofreu mais, no curso da nossa História. Em 1823, fomos fechados quando, sem termos imprensa, discutíamos a liberdade de imprensa; sem termos povo, as liberdades civis; sem termos fronteiras, a constituição de uma nação; sem termos leis, a vitaliciedade e a independência do Judiciário.
Nunca ninguém pensou em fechar o Executivo, mas fomos fechados e dissolvidos em 1823, 1889, 1891, 1930, 1937, 1968 e 1977.
Muitas vezes, ao longo da História, foi o Congresso suspenso, invadido, presos e cassados muitos de seus membros. Porém, nunca faltou um grupo de homens que aqui não ficasse, falando, conspirando ou lutando pela sua abertura, pela sua existência, sabendo que a sobrevivência do Congresso era a sobrevivência da Nação. O que é o poder civil?, perguntava Milton Campos; e respondia: “É a brigada de choque dos políticos que compõem o Congresso.”
Quero, também, ressaltar a nossa identificação inseparável com a imprensa. Cito apenas um fato: quando o Congresso foi fechado em 68, não passou um dia sem que o jornalista Carlos Castello Branco não pregasse sua abertura. Lembro Quintino Bocaiúva, Joaquim Serra, Macedo Soares, Carlos Lacerda, Orlando Dantas, Edmundo Bittencourt.
A vulnerabilidade do Parlamento decorre do fato de ser, esta, a Casa política por excelência, e o conflito é a marca inarredável da política e da liberdade de crítica. No Judiciário, as sentenças apenas são conhecidas depois de publicadas, as decisões do Executivo são coordenadas no âmbito do próprio Governo, entre quatro paredes.
As decisões legislativas, ao contrário, são debatidas e tomadas em público, no quadro das divergências políticas e à mercê de interesses contrariados ou favorecidos.
A visão de um Congresso como uma corte celeste ou uma reunião de sábios e notáveis, e não de homens e políticos, é, sem dúvida, irrealista e ingênua. Os congressistas são recrutados dentro da sociedade e são representativos das camadas sociais.
No mundo inteiro, a instituição parlamentar enfrenta a contestação de sua legitimidade. Surgiu um novo interlocutor da sociedade democrática — a opinião pública, com poder político agregado. Ela é formada pela mídia que, graças às conquistas da ciência e da tecnologia, pode, em velocidade incalculável, através do fascinante mundo dos satélites, fazer que todos, ao mesmo tempo e na -mesma hora, possam julgar os fatos e os homens. É o mundo da sociedade organizada em milhares de associações que agregam legitimidade para falar em nome do povo e de segmentos importantes da sociedade.
O Padre Antônio Vieira já dizia que, sendo tão natural no homem o desejo de ver, o apetite de ser visto é muito maior. O uso de ver tem um fim com a vida; o apetite de ser visto não acaba com a morte.
O velho conceito da democracia representativa entra em competição com outras legitimidades. Os Congressos envelhecem e os partidos sofrem, também, o mesmo fenômeno com os seus programas. E o nosso País, que não tem tradição partidária, convive com algumas reminiscências de instituições políticas do fim do século XIX, de que é exemplo o voto proporcional uninominal, desintegrador dos partidos e estimulador da corrupção. Basta dizer que o Brasil é o único país do mundo onde ainda se pratica esse sistema eleitoral.
Durante muito tempo julgou-se que o Estado era o instrumento do bem-estar social. Hoje, com o fim das ideologias, o desmoronamento dos dogmas e sectarismos, já se sabe que o desenvolvimento social só terá êxito com o desenvolvimento econômico. Estamos advertidos, também, de que a economia de mercado não é boa distribuidora de renda, impondo-se necessário que o Estado seja forte para assegurar uma sociedade justa. Assim, o que deve pesar não é o tamanho, mas a qualidade do Estado.
Caminhamos para um mundo cada vez mais interdependente. De livre circulação do capital, que pode tirar seu passaporte e nacionalidade a qualquer hora, em qualquer casa de câmbio.”
O Congresso Nacional tem enfrentado o desafio de promover mudanças para que o Brasil acompanhe as profundas transformações registradas no mundo, nos últimos anos. Estas mudanças são indispensáveis para que o país consiga manter o novo papel que desempenha no cenário mundial.
Renovo o convite a todos para um árduo trabalho. O Congresso é a Casa do debate, da controvérsia, das idéias, das posições. Desse debate floresce a democracia e surgem as soluções. A idéia do Congresso votando só assuntos de consenso é o anti-Congresso. Trabalhar, discutir, decidir.
O Congresso nacional jamais faltou ao Brasil, nunca obstruiu as tarefas do Executivo e do Judiciário. Nossa obrigação é ajudar o País a diminuir os problemas de nosso povo e assegurar que iremos cumprir nosso mandato em um Congresso de renovação, transparente, mas, também intransigente e inarredável e jamais nos vergaremos na defesa das prerrogativas e da autonomia do Parlamento, casa que é a expressão da soberania do povo e do sistema democrático.
Nos anos da Presidência de Luís Inácio Lula da Silva o Brasil soube acrescentar à estabilização monetária o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Vivemos hoje um País profundamente modificado, em que atravessamos uma crise global com menor sofrimento que outros países.

Senhoras e Senhores Parlamentares
Vivemos um momento singular da nossa história e da história da humanidade. Os desafios da ocupação da terra pelo homem mostram-se em sua verdadeira grandeza, a de que podemos sofrer uma catástrofe malthusiana, ou, pior, uma mudança das características da natureza, do clima, recursos, ambientes ocupados pelo homem que inviabilizem a vida humana na terra.
Vivemos, entre nós, o mais longo período em que se sucedem as legislaturas. Desde que assumi a Presidência da República, na hora trágica da doença de Tancredo Neves, a democracia no Brasil tem se consolidado e se aprofundado. O período de consolidação constitucional alcançou o marco histórico com a eleição de um operário e o governo sereno, equilibrado e bem-sucedido do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Repito pela enésima vez que temos a necessidade de restabelecer a plenitude das funções do Parlamento, fugindo da armadilha do rito de tramitação das medidas provisórias, que perturba o funcionamento das instituições, sobretudo das nossas Casas Legislativas.
Insisto também na necessidade de reforma do sistema eleitoral, terminando com o voto proporcional uni-nominal, instituindo, como parece ser a vontade da maioria das duas Casas, sistema misto distrital e de listas. Com ele, ficaria resolvido o problema grave da fidelidade política.
Continuamos com um compromisso em relação à reforma tributária, onde temos que avançar para podermos recuar dos desníveis inaceitáveis da carga tributária distribuída de maneira injusta e talvez ineficaz, problema que repercute, com grande profundidade, nos três níveis de Governo: federal, estadual e municipal.

Senhoras e Senhores Parlamentares
O mundo apenas começa a sair de uma das maiores crises da história. O Brasil esteve preparado para enfrentar esses desafios. O Governo do Presidente Lula conseguiu avanços no setor social, na economia e colocou o Brasil em outro patamar na cena mundial. Ele sempre contou comigo para essa benemérita tarefa em favor do povo brasileiro, e vou continuar a ajudá-lo.
Quero homenagear também, na figura do Ministro Gilmar Mendes, o Poder Judiciário, guardião da Constituição. Nós fomos quem a entregamos, nós, representantes do povo, ao Supremo Tribunal Federal, para guardá-la. É ele que tem essa missão e, portanto, devemos respeitá-lo e acatá-lo sabendo que vai cumprir essa missão em favor do povo brasileiro.
Sem o Judiciário, e os ingleses já pregavam isso quando começaram a constituir suas instituições, a democracia seria impossível. Farei tudo, Ministro Gilmar Mendes, para que nossa harmonia seja uma peça importante na consolidação da democracia brasileira.
Quero, também, homenagear o Presidente Lula, aqui representado pela Ministra Dilma Roussef, importante pilar do seu governo, pelo novo patamar ocupado pelo Brasil no âmbito internacional e os avanços sociais e econômicos de seu dinâmico governo.
Eu quero finalizar essas palavras agradecendo às autoridades aqui presentes e, uma vez mais, desejando às Deputadas, aos Deputados e às Senadoras e aos Senadores muitas felicidades. Vamos começar nossos trabalhos!
Terminado o objetivo de nossa sessão, estão encerrados os nossos trabalhos. Muito obrigado.

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