Direitos Humanos

Filho de Goulart defende indenização pelo golpe de 64 por parte dos EUA

15/10/2008 - 22:37  

João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart, afirmou nesta quarta-feira que o governo dos Estados Unidos é co-responsável pelo golpe militar de 1964, e, portanto, deve ao povo brasileiro uma reparação. Jango foi deposto pelo golpe e depois morreu de enfarte em seu exílio no Uruguai, já na década de 70. A acusação foi feita nesta quarta-feira durante o 2º Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos.

João Vicente foi um dos 17 palestrantes do evento, que se encerra amanhã. Entre outros, foram abordados temas como o papel do Ministério da Justiça e da Comissão de Paz nas ações de reparações aos anistiados, operações realizadas por regimes militares em outros países da América Latina, medida para responsabilizar agentes públicos que praticaram crimes contra direitos humanos, o acesso a documentos sigilosos e as conseqüências da Lei da Anistia.

Morte de Goulart
João Vicente lembrou que a confissão de um ex-agente da antiga ditadura uruguaia, hoje preso no Brasil, mostra que o ex-presidente Goulart foi assassinado por meio de uma troca criminosa de medicamentos.

O filho de João Goulart fez cobranças também ao senador Romeu Tuma (PTB-SP). Segundo João Vicente, ao lado de Sérgio Paranhos Fleury e de Alcides Saldanha (estes já falecidos), Romeu Tuma foi um dos três delegados que comandaram a Operação Bandeirantes (Oban) e os Doi-Codi, responsáveis pelas ações de repressão que envolveram seqüestros, torturas e mortes. "Apelo ao senador Tuma para que, desprendido de seu passado, explique enfim o que realmente aconteceu naqueles anos", pediu.

Ação contra EUA
João Vicente criou e dirige o Instituto Presidente João Goulart, dedicado ao resgate da memória histórica nacional, que está movendo uma ação de responsabilidade civil, na Justiça brasileira, contra o governo dos Estados Unidos. "Decidimos ingressar com essa ação porque ficamos indignados com a declaração do ex-embaixador dos Estados Unidos à época, Lincoln Gordon, de que a embaixada operou uma verba secreta de 5 milhões de dólares para apoiar o golpe", explicou João Vicente.

Ele lembrou que Gordon deu essa declaração publicamente, à imprensa, quando retornou ao Brasil, no ano passado, para lançar um livro. "Gordon é réu confesso", afirmou João Vicente.

A ação contra os Estados Unidos foi rejeitada em primeira instância. O juiz declarou a Justiça brasileira incompetente para julgá-la. por considerar a ação americana um "ato de império". No Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, a ação já obteve dois votos favoráveis. Para os ministros que votaram a favor, não houve um "ato de império", mas um "ato de gestão", para cujo julgamento a Justiça brasileira é, sim, competente.

João Vicente explica que "ato de império" foi, por exemplo, a intervenção militar no Iraque, para a qual houve autorização do Senado norte-americano e a liberação de verba orçamentária. No caso da verba clandestina para financiar o golpe no Brasil, não houve qualquer autorização do Senado dos Estados Unidos. Foi, portanto, um mero "ato de gestão", totalmente ilegal.

Segundo o filho de João Goulart, o golpe de 64 "foi uma intervenção política criminosa das elites brasileiras, que usaram as Forças Armadas e tiveram o apoio da Agencia Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos".

Prazo de sigilo
Na palestra sobre o sigilo de documentos sobre o regime militar, o secretário-geral do Conselho Nacional do Ministério Público, procurador José Adércio Leite Sampaio, defendeu a tese da inconstitucionalidade da Lei 11.111/05, que trata do acesso público aos arquivos deste período. Segundo Sampaio, essa lei estabelece obstáculos que, na prática, impedem o acesso aos registros, e representa um "cheque em branco" passado ao Executivo, uma "delegação absurda" de atribuições que, pela Constituição vigente, seriam próprias do Congresso Nacional – daí a sua incompatibilidade com o texto constitucional.

Pela Lei 11.111/05, alguns arquivos relativos a operações militares e de repressão do antigo regime de exceção são considerados sigilosos por 30 anos, prorrogáveis por outros 30. Além disso, a MP 228/04 prevê que esse prazo pode ser prorrogado indefinidamente, a critério da Comissão de Averiguação e Análise das Investigações Sigilosas – organismo de caráter interministerial do governo federal.

"Para que tanto sigilo?", questiona Sampaio. Para ele, o objetivo não é apenas dificultar reparações e indenizações, mas também evitar avaliar responsabilidades passadas do Estado brasileiro. O procurador sugeriu que o Congresso Nacional declare a inconstitucionalidade pelo menos parcial da Lei e da MP, revogando as partes que tratam dos prazos de sigilo.

Notícias anteriores:
Procurador sugere comissão para investigar operação da ditadura

Reportagem - Luiz Claudio Pinheiro
Edição - Marcos Rossi

(Reprodução autorizada desde que contenha a assinatura `Agência Câmara`)

Agência Câmara
Tel. (61) 3216.1851/3216.1852
Fax. (61) 3216.1856
E-mail:agencia@camara.gov.br

A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura 'Agência Câmara Notícias'.